Com tantas viagens entre Lisboa e São Paulo, tomou-se a decisão de viver no Brasil.

O Brasil foi talvez, uma das experiências que mais me ensinou, uma escola da vida ao vivo. Aprendi de tudo, conheci de tudo o que possam imaginar, conheci pessoas fantásticas e outras que não deviam andar neste mundo, fui abençoado, fui roubado, fui enganado, tive dias maravilhosos, outros um autêntico inferno como se costuma dizer, tudo isto que acabei de mencionar evidenciei dentro do “mundo” evangélico! É verdade, encontramos do melhor ao pior. Jesus Cristo dizia: "odiados de todos sereis por causa do meu nome.” Eu creio que por causa do Evangelho, dentro do cristianismo estão a levantar-se dos maiores movimentos de ódio. O cristianismo, para mim, neste preciso momento que escrevo, tem sido o pai da geração de ódios. Foi isso que comecei a ver no Brasil já nos anos 90 para cá.

O tal grupo de meia dúzia de pessoas começou a crescer, como já mencionei no capitulo anterior, ao longo de vários anos, a igreja crescia e se multiplicava. Tínhamos igrejas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte (Natal), Arapiraca, Ilha Bela (SP), Caraguatatuba (SP). Viajei também muito pelo Brasil para dar formação a pastores, instituir a Escola Bíblica da igreja Maná, treinávamos os colaboradores nos seus respectivos departamentos, foram bons tempos. 

Entretanto, certo dia, em Portugal, numa reunião com o pastor e presidente da igreja Maná, ele pediu-me para entrar em contacto com o apostolo Estevam Hernadez da igreja Renascer em Cristo. Uma igreja muito conhecida no Brasil, com igrejas abertas por todo o Brasil, detentora de rádio e televisão em vários estados. A ideia de promover o  encontro seria para o conhecer e quem sabe fazer uma parceria entre as duas igrejas na área da rádio e televisão. A ManaSat estava a dar os primeiros passos e desejávamos transmitir para o Brasil, transmitindo através de satélite. 

Assim foi, um certo bispo da igreja Renascer, recebeu-me em São Paulo nos escritórios principais. A reunião correu bem e agendamos uma reunião com o pastor e presidente da igreja Maná e o apostolo Estevam Hernandez, que veio a realizar-se em São Paulo. 

A partir dessa reunião surgiram várias parcerias, o pastor e presidente da igreja Maná ia ao Brasil e participava em convenções organizadas pela igreja Renascer, entrevistas na rádio e televisão, e o mesmo se passava ao contrário, o apostolo Estevam Hernandez vinha a Portugal e participava nas convenções de fé. 

Numa das idas a São Paulo, no hotel Sofitel, eu e mais alguns colegas meus vindos de Portugal e de África e também alguns colaboradores na área técnica de som e video, fomos chamados pelo pastor e presidente da igreja Maná para uma reunião no lobby do hotel. O tema era sobre: "títulos eclesiásticos". A argumentação vinha de que, a igreja Renascer usava os título de: apostolo, bispo, pastor, etc... para eles, Renascer, o título de apostolo demarcava a autoridade máxima da igreja e o título de bispo vinha logo a seguir, eram os que tinham mais autoridade, como uma cadeia de comando, o mesmo que a igreja Católica Romana faz. De alguma forma, a estrutura da igreja Renascer impressionou o pastor e presidente da igreja Maná, ao ponto de nos comunicar que a partir dessa mesma data a igreja Maná iria adoptar o mesmo sistema, ele passaria a ser "o apostolo" e nós "os bispos", quanto aos colaboradores técnicos passariam a ser chamados de engenheiros, mesmo sabendo que nenhum deles o eram.

A justificação baseava-se em critérios comparativos, isto é: “se o apostolo Estevam Hernandez era apostolo, então eu tinha de ser apostolo, se ele tem bispos, então vocês passam a ser bispos, e os técnicos, passam a ser engenheiros, porque senão, aqui no Brasil, ninguém nos dá devido valor, pois temos muito mais igrejas do que eles”

Eu fiquei chocado com esta comunicação! A minha mente processava pensamentos em milésimos de segundo...numa sala de hotel, todos fomos promovidos em segundos! Estava tudo decidido e ninguém poderia dar opinião, porque era assim que estava determinado. 

Fui para o quarto do hotel confuso e não gostei nada da decisão, pela primeira vez, passou na minha cabeça, a vontade de pedir a minha demissão, inclusive não dormi a noite toda e tinha uma sensação de incomodo e má disposição. Não sabia o que fazer, pensei: “Se pedir a minha demissão, o que vai acontecer? E as pessoas que estão sob a minha liderança? O que vai ser da minha família?” No entanto acabei por ficar, ainda levei muito tempo a chamá-lo de apostolo, ás vezes, os meus colegas me lembravam: “Ele é apostolo, estás a chamá-lo de pastor???” 

Com o tempo, as coisas vão andando e vão sendo aceites e para reforçar as decisões, vinham sempre aquelas mensagens sobre: ”A unção apostólica é mais forte do que unção de pastor, quem obedece ao homem de Deus obedece a Deus, caso contrário é considerado um rebelde.” 

Assim sendo, fomos trabalhar na nomenclatura da igreja Maná, foi um trabalho de vários meses seguidos a escrever a visão e o modo como a igreja passaria a funcionar, foi tudo colocado em forma de livro, “O Prédio Espiritual”. Foi assim, que nasceu os termos: apostolo, bispos, inclusive bispos de vários graus e pastores de vários graus. 

Para além da igreja Renascer em Cristo, comecei a trabalhar no processo de fazer parcerias com outros ministérios grandes no Brasil, tais como: RR Soares, Silas Malafaia, Jorge de Linhares, Márcio Valadão da igreja da Lagoínha, Jabes de Alencar, José Wellington presidente das assembleias de Deus do Belém, no Brasil, pastor Samuel de Camara, enfim...conheci todos eles, em reuniões privadas com o pastor e presidente da igreja Maná, uma série de nomes bem conhecidos no Brasil, com igrejas gigantescas e bem relacionados no meio da politica brasileira. Participávamos nas marchas para Jesus em São Paulo e outros eventos...tínhamos também o nosso alvo, de colocar o projecto da ManaSat a funcionar no Brasil. Portanto a igreja Maná precisava de estar no meio. 

Foi-me pedido para organizar reuniões de trabalho com todos estes homens, foram 2 anos de muito trabalho e aos poucos a igreja Maná e a ManaSat ia sendo conhecida, mas infelizmente isso trouxe muito incómodo no meio dos poderosos. Eu, sendo novo e dotado de bastante ingenuidade, sentia-me como a Dora, no filme: "O Nemo" no lago dos tubarões.

Um dos tubarões do meio gospel no Brasil é o pastor Silas Malafaia, um homem esperto, vivido e politicamente bem relacionado. Tive várias reuniões com ele no Rio Janeiro e também em São Paulo, para além das parcerias que a igreja Maná desejava fazer com ele e com a Central Gospel, a editora que ele gere, tínhamos em mão um projecto de fornecimento de material gospel para as casas Bahia, um grupo grande no Brasil, com lojas em todo o país. Alguns representantes das casas Bahia nos procuraram, porque ouviram falar bem de nós, para sermos os intermediários entre as editoras gospel do Brasil e as casas Bahia. Mas quando o pastor Silas Malafaia soube, fez de tudo, nas nossas costas para anular todo o projecto. Pois ele não queria, que nós, os portugueses tivéssemos essa representação, ele é que queria ficar com a representação. Usou da força e dos relacionamentos que tem no Brasil para pressionar e o negócio foi por agua abaixo.

O meu erro, foi que não me percebi das jogadas e não soube proteger da melhor maneira, contratualmente, e fez-nos perder muito dinheiro. Isto é daqueles erros de principiante, no mundo dos negócios é corriqueiro, mas eu, sendo novo e sem experiência nestas coisas, pois o que gostava mesmo e gosto é ensinar e pregar o Evangelho,  para além que, nunca pensei que entre cristãos e pregadores, pudessem existir tal competição, tudo em nome de Deus.

O então apostolo e presidente da igreja Maná, ao tomar conhecimento dos factos, decide ouvir o pastor Silas Malafaia, não sei o que ele lhe contou, só sei que ficou do lado do pastor Silas Malafaia e responsabiliza-me de toda a perda financeira e o mau nome que a igreja Maná fica no Brasil. Quando ele fala-me assim, imediatamente disse-lhe: “Peço a minha demissão de ser o bispo do Brasil, quero voltar para Portugal.”

Ao fim de tantos anos, de tanto trabalho, ele decide acreditar no Silas Malafaia e não em mim, sendo eu, um filho da casa. Hoje, entendo porque é que ele decidiu assim, porque na altura, era importante ser “amigo” do pastor Silas Malafaia. O triste é que anos mais tarde, o pastor Silas Malafaia acabou por se revelar ou vice-versa, com a história da venda de um avião. Provaram do mesmo veneno! Hoje eles não se falam!

Ao fim de uma semana, de malas feitas, regressamos a Portugal, eu, com a minha esposa e meus filhos. Não sabia ainda, se me despedia de vez ou se me mantinha. Minha mulher queria sair, é engraçado que as mulheres conseguem ver com muito mais perspicácia do que nós homens, ela já me tinha avisado de que muitas coisas não estavam bem, não só o modus operandis da igreja, mas principalmente a doutrina que a igreja Maná andava a ensinar. Na minha mente ainda andava este pensamento ingénuo: “Ele vai mudar”, referindo-me ao apostolo e presidente da igreja Maná. Mas não mudou, não sei se alguma vez este homem voltará a ser o pastor que conheci em 1986! Enquanto esperava a mudança e após a minha chegada do Brasil, tomei a decisão de continuar, talvez fiz mal, não sei...pelo menos uma coisa boa aconteceu, fui colocado na igreja de Évora em Portugal e conheci pessoas fantásticas, que ainda hoje, são nossos amigos. Foi em Évora que a minha filha mais velha, a Raquel, conhece o seu actual marido, é nesse período que namoram e casam e hoje têm dois filhos. A igreja de Évora cresceu e só passado 4 anos, tomei a decisão de pedir a minha demissão da igreja Maná, entregamos a igreja de Évora cheia de pessoas.

Pois “ele não mudou”. Corria o ano de 2010, quando saí da igreja Maná. Alguém perguntou-me: “Como é que você aguentou tanto tempo, você não via?” Continuo sem uma resposta, não é fácil ver e quando vemos não queremos acreditar! Depois há a dificuldade de tomar a decisão de sair, no meu caso, com 5 filhos, pensei: “O que vou fazer, quem me dá trabalho com esta idade?” e ficamos a patinar nestes pensamentos, é como uma nuvem, um espírito, que tenta tapar a mente, que tenta amarrar com medo. Hoje, eu compreendo muito bem, aqueles que não concordam em nada com o que se passa dentro da igreja Maná, mas têm de ficar, porque precisam do salário...mas nestas alturas, quando vimos que a palavra de Deus está para trás e colocamos o homem acima de Deus, corremos o grande risco de sermos riscados por Deus. Quando tomei a decisão de sair, não sabia o que fazer, nem para onde ir, só sabia que tinha de sair. Disse à minha esposa: “prefiro comer um prato de sopa do que olhar para o espelho e não acreditar mais na pessoa que estou a olhar”.

 

Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo

18/12/2019