A igreja da Praça de Espanha é o inicio de uma roda viva na minha vida e na vida da minha família. Já com duas filhas, a Raquel e a Inês ainda bebé, foi o “start” de uma vida “louca” dentro do ministério da igreja Maná. A igreja da Praça de Espanha crescia a cada fim de semana, muitas conversões e claro, tudo isto não passou despercebido à liderança principal da igreja Maná. Certo dia recebo um telefonema da pastora Maria Emília para me apresentar no escritório principal do pastor e presidente da igreja Maná em Alvalade, Lisboa. Na minha cabeça passou muitos pensamentos, mas o pensamento que mais vinha à minha mente era: “O que é que eu fiz?”
Quando entro no gabinete, estavam todos os principais pastores do ministério, os administradores, presidente e vice-presidente. Se tivesse por onde fugir, fugiria, “o que se passa? Pensava eu...”
O pastor e presidente da igreja Maná pediu-me para sentar no sofá no meio de todos, o assunto que estavam a discutir era sobre a compra de um carro novo para o pastor e presidente da igreja Maná. Ele tinha, na altura, um Audi 80, mas a liderança achava que ele deveria comprar um Mercedes.
Abro parêntesis, neste particular período, o ministério estava a passar alguns apertos financeiros, havia igrejas que não estavam a conseguir pagar os salários aos que trabalhavam a tempo integral, lembro-me que era perto do Natal, e eu tinha conhecimento de que alguns colegas meus, estavam com dificuldade em conseguir pagar o subsídio de Natal. Fecho Parêntesis.
Todos na sala concordavam com a compra do carro novo, dizendo: "Você deve comprar o Mercedes, porque é o presidente e não pode andar com um carro qualquer". De repente o pastor e presidente da igreja Maná, vira-se para mim e pergunta: "E você Fidalgo, o que acha?" Bem, eu congelei durante segundo, todos os olhos e ouvidos na sala estavam postos e atentos em mim. A minha resposta foi: "Pastor, eu não concordo." A sala ficou toda congelada e um silêncio arrebatador. Ele volta e pergunta: "Porquê?"eu disse: "Porque há colegas nossos que ainda não receberam o salário e o subsídio de Natal, portanto, se há dinheiro para um Mercedes, vamos primeiro pagar os salários e só então, se sobrar, comprar o Mercedes. Bem a sala parecia o pólo norte. Ela manda sair todos e ficou apenas a pastora Maria Emília. Cá fora, todos, os da liderança em diziam: "Tu és maluco, o que foste dizer ao homem". Fiquei tranquilo e pensei: "Se for despedido, volto ao meu trabalho secular, não há problema."
Passado um pouco de tempo, vejo a pastora Maria Emília a sair do gabinete e chama-me à parte para falar com ela no gabinete dela, à medida que caminhava para o gabinete, pensei: “Pronto, fui despedido!” Mas surpreendentemente, ela me diz: “O pastor gostou muito de si, pois falaste sem medo e com sinceridade, ele gostou disso.”
Entretanto o Mercedes foi comprado e os salários foram regularizados. A partir deste momento, comecei a ser solicitado para ajudar em vários projectos, o primeiro foi ajudar com a igreja de Inglaterra, foi enviado um casal de pastores que fazia parte da nossa equipe da igreja da Praça de Espanha, a igreja os enviou, investiu com todas as despesas e assim demos um grande apoio à igreja de Inglaterra, fizemos várias viagens missionárias, pois na Inglaterra vivem muitos portugueses, inclusive as reuniões eram ministradas em português. Depois foi um crescente por vários países na Europa: França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, para além de portugueses também começamos a receber muitos irmãos da lusofonia, como: Angolanos, Cabo Verdianos, Brasileiros. Foram-se abrindo igrejas, treinando pastores, enfim, uma roda viva. Com naturalidade, colocaram-me responsável pela Europa. Na altura não se usava ainda o nome de bispo, só bem mais tarde é que veio toda essa nomenclatura.
Certo dia fui convidado pelo pastor e presidente da igreja Maná a acompanhá-lo a uma viagem ao Brasil.
Abre parêntesis: A presença da igreja Maná no Brasil já tinha começado alguns anos atrás. O pastor Tony Cerqueira convidou o tio Cássio, pastor da igreja Cristo Salva de São Paulo, um homem muito conceituado e conhecido no Brasil a vir a Portugal, conhecer o pastor Jorge Tadeu, presidente da igreja Maná, numa das convenções de fé que a igreja Maná organiza anualmente e, gostou tanto do que ouviu e viu, que quando regressou ao Brasil, organizou vários encontros em igrejas por vários lugares, onde o pastor e presidente da igreja Maná pregou e a igreja Maná ia sendo conhecida, sendo uma igreja portuguesa e liderada por um português, aos olhos dos brasileiros era um fenómeno. Entretanto, passado algum tempo, o tio Cássio decidiu juntar a igreja Cristo Salva com a igreja Maná. Passou a chamar-se igreja Maná Cristo Salva, em São Paulo e durante algum tempo a igreja Maná abriu várias igrejas no Brasil com o apoio do tio Cássio. Fecha Parêntesis.
No dia, que fui convidado pelo pastor e presidente da igreja Maná a acompanhá-lo a uma viagem ao Brasil, íamos resolver um problema grave. O tio Cássio queria desligar-se da igreja Maná. Os motivos não sabia e até hoje nunca soube muito bem o que aconteceu. O ambiente estava pesado, pela primeira vez, vejo-me numa situação complicada de divisão.
Com a saída do tio Cássio, todas as igrejas e pastores que estavam com ele também saíram. Apenas ficaram meia dúzia de pessoas que queriam continuar a pertencer à igreja Maná. O pastor e presidente da igreja Maná estava muito triste com a situação e disse-me que não queria vir mais ao Brasil, a Maná no Brasil ia fechar. Nesse dia até ao dia do regresso a Portugal, ele não quis falar com mais ninguém, nem mesmo com a meia dúzia de pessoas que desejam continuar na igreja Maná. O Brasil é para fechar, foram as palavras dele. Entretanto ao ver toda a situação, decidi fazer uma proposta ao pastor e presidente da igreja Maná. Pedi-lhe que me deixasse ajudar aquela meia dúzia de pessoas, eu viria ao Brasil regularmente, passaria tempo com eles, ensinando e quem sabe, poderíamos renascer com o ministério no Brasil. Ele me disse: “faça o que Fidalgo quiser, eu é que não venho mais ao Brasil”. Via-se que estava bastante transtornado, mas como ele me deu luz verde para fazer o que quisesse, então juntei-me com a meia dúzia de pessoas, expliquei que viria ajudá-los, caso eles quisessem, continuaríamos com a igreja Maná a funcionar no Brasil. Eles aceitaram o desafio e eu voltei para Portugal com muita vontade de ajudar a meia dúzia de pessoas, nossos irmãos no Brasil.
Programei-me e mês sim, mês não, ia ao Brasil com a Célia e os meus filhos e passava 15 dias seguidos a ministrar, organizar a igreja, etc. O voo de Lisboa para São Paulo durava 10h, 10h para ir, 10h para voltar, nossos passaportes rapidamente se esgotaram com os carimbos de entrada no país, já conhecia a tripulação dos aviões da Tap e os pilotos, de tantas viagens que fizemos ao Brasil. À medida que o tempo avançava, não só, a igreja em São Paulo cresceu, como através dela, chegamos a abrir 23 igrejas no Brasil, formando pastores, lideres, músicos, enfim, todo o trabalho administrativo que a igreja necessitava. Eu e a Célia conhecemos pessoas fantásticas, mas quero mencionar neste capitulo, uma pessoa muito especial, a nossa querida tia Eunice, que foi uma verdadeira mãe para mim e para a minha esposa, uma avó para os meus filhos que ela tanto gostava. Muito Obrigado tia Eunice, por tudo!
Este foi um dos períodos mais vivos da minha vida, uma verdadeira roda viva: Brasil, Portugal e Europa.
Memórias de 30 anos de Evangelho
José Fidalgo
17/12/2019