Quando me propôs a escrever sobre as memórias dos 30 anos de Evangelho, pensei muito sobre se devia ou não escrever. São memórias, umas boas outras menos boas. No entanto, decidi escrever e publicar, quem sabe pode ajudar alguém, a não cometer erros que têm corrompido a igreja no modo geral. 

Neste capítulo falo sobre o que eu considero, a maior fraude no ensino na maioria das igrejas: “Pobreza é uma maldição”.

Durante anos fui doutrinado e eu mesmo preguei que a pobreza é uma maldição. Até que, ao ler a bíblia novamente, verifiquei que estávamos equivocados na abordagem do tema. Na verdade, criamos um mostro devorador no coração dos crentes. Quando me vem à memória o que no passado ensinei, fico bastante triste comigo mesmo, por outro lado, fico contente por Deus ter iluminado os meus olhos, como se de colírio tratasse.

Não existe nenhuma referência nas Escrituras que corroborem com tal ensino: "pobreza é uma maldição".

Deus sempre pediu que todos nós tivéssemos muita atenção aos pobres, às viúvas, aos órfãos, a todos os fragilizados na sociedade. O próprio Senhor Jesus Cristo disse: “Que todo o bem que fizéssemos a um destes "pequeninos", estaríamos a fazer a ele mesmo”. Inúmeras são as referências quer no velho testamento, quer no novo testamento, que cuidar dos pobres e de todos os fragilizados na sociedade é mandamento de Deus. 

Estou a lembrar-me do episódio da pobre viúva que lançou duas moedas na caixa das ofertas no templo, quando que muitos ricos lançavam muito dinheiro e Jesus vendo, disse aos seus discípulos: “Afirmo-lhes que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais do que todos os outros. Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver.” 

O mesmo se passou com a igreja da Macedónia, sendo uma igreja cheia de tribulações e de profunda pobreza, abundou em generosidade dando ofertas aos pobres da Judeia. (II Cor.8). Sublinho a expressão de Paulo: “Profunda pobreza”. E mesmo assim deram, foram generosos.

Em ambos os casos, não vejo Jesus e nem Paulo a dizerem que os “amaldiçoados da pobreza” deram. 

A definição de pobreza para Deus está longe de ser igual à nossa. Os homens olham como se de uma maldição tratasse, mas Deus não vê assim. O olhar de Deus é bem diferente. Gosto da passagem de Provérbios 22:2 que diz: “O rico e o pobre têm algo precioso em comum: o SENHOR é o Criador tanto de um quanto do outro.” Que afirmação tão certeira. Nem todos têm o dom de serem ricos. 

Pobreza para Deus é o que está no coração do homem. A nossa avareza, que é idolatria e a cobiça, são o que nos empobrece. Podemos ter muito e, aos olhos de Deus sermos uns pobres, desgraçados e nus. Foi o que Jesus falou à igreja de Laodiceia: “Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu”; (Apocalipse 3:17) 

No entanto o ensino “Pobreza é uma maldição” é a maior fraude, no meu ponto de vista, que tem sido usado para extrair dinheiro das pessoas. 

O sucesso deste tipo de mensagens, têm como raiz a nossa cobiça, a maioria dos seres humanos querem ser ricos, é por isso que jogamos no euro milhões, entramos em casinos, compramos raspadinhas, porque no fundo, se sair, ficamos ricos. 

Por outro lado, não queremos estar associados à pobreza, pobreza é vista como uma vergonha, uma praga, um falhanço na vida, uma maldição, como alguém que tivesse uma doença infectocontagiosa. Lidamos mal com falências, quando a falência é um escape jurídico para se começar de novo. 

O “sonho americano” invadiu o coração dos crentes. O dinheiro passou a ser o assunto primário nas pregações, frases como: “Se não formos ricos ninguém nos ouve, temos de ter dinheiro, porque ninguém ouve os pobres.”  ou "Toma posse, todo o lugar onde a planta do teu pé pisar é teu." ou ainda "escreve o teu futuro, declara com a tua boca." são ditas repetidamente nos púlpitos das igrejas. 

Se assim fosse, só os ricos entrariam no reino dos céus. Quando Jesus diz o contrário, que é mais difícil os ricos entrarem no reino dos céus, por confiarem nas riquezas. Sublinho, por confiarem nas riquezas. Não tem mal nenhum ser rico, o mal está no coração e na motivação de quem é e de quem quer ser rico.

Ser rico não significa que te oiçam. Até mesmo Jesus, sendo quem é,  teve dificuldade em ser ouvido. A maioria rejeitaram a mensagem de Cristo e não creram nele. 

Infelizmente, como disse, o dinheiro tornou-se o assunto prioritário, é preciso pagar todos os meses as infraestruturas megalómanas, o custo das rádios, o custo das televisões, o custo dos aviões, tudo é um "império de custos", que os crentes são chamados a pagar. O pior disto é usarem o nome de Deus e em nome de Deus prometerem que quem dá, recebe 100 vezes mais. Caso não venha a suceder, o problema reside na pessoa que dá, porque deu sem fé, ou está em pecado, tem algum pecado oculto que está a impedir a multiplicação milagrosa dos 100 vezes mais. Este tipo de apelo é fraudulento, viola o espirito da vida que há em Cristo Jesus.

Normalmente vemos isso acontecer no mundo, nos casinos, nas casas de lotaria, em bancos como o caso do antigo BES, investimentos em produtos financeiros de alto risco. Diz-se, que quem investe dinheiro na igreja, no pastor, no bispo, no apostolo, nos projetos da igreja está a investir para a vida eterna, para o futuro, contrariando o espirito da verdade que é o Evangelho. Eu não semeio nada para a vida eterna, Jesus Cristo já fez tudo por mim, ele nos dá a vida eterna e não é paga com dinheiro ou boas obras. A vida eterna com Deus é pela fé no Evangelho de Cristo. 

Podia passar dias a contar-vos histórias de famílias completamente destruídas, destruídas não só por causa de terem dado tudo para a igreja local, dinheiro, bens, mas também, destruídas por dentro, no coração e na alma. Pessoas que tomaram a maior desilusão da vida, confiaram em igrejas com este tipo de ensino. 

No entanto, não me levem a mal, somos vitimas, mas ou mesmo tempo, somos culpados, porque fomos tentados pela nossa própria concupiscência. O desejo de sermos ricos causa-nos muita tribulação e dor, presas fáceis nas mãos de predadores. 

Tudo começa bem, entusiasmo, uma ou outra vez funciona, até que, começa a não funcionar mais, mas ao mesmo tempo, as pessoas estão presas, não conseguem sair do sistema, estão viciadas, tal e qual como os casinos, as pessoas perdem mais do que ganham, muitos perdem tudo, mas continuam a jogar. O mesmo acontece com os investidores em produtos financeiros de risco, perdem e voltam a perder, mas mais tarde, se vier outro produto financeiro que prometa ganhos fantásticos, voltam a jogar. É um vicio. 

Que Deus tenha misericórdia de todos nós. Pois não é fácil sair de uma nuvem negra.

Deus ama a prosperidade do seu povo, mas não desta maneira.

 

José Fidalgo

13/08/2021