“Começou uma discussão entre os discípulos acerca de qual deles seria o maior. Jesus, conhecendo os seus pensamentos, tomou uma criança e a colocou em pé, a seu lado. Então lhes disse: "Quem recebe esta criança em meu nome está me recebendo; e quem me recebe está recebendo aquele que me enviou. Pois aquele que entre vocês for o menor, este será o maior". Disse João: "Mestre, vimos um homem expulsando demônios em teu nome e procuramos impedi-lo, porque ele não era um dos nossos". "Não o impeçam", disse Jesus, "pois quem não é contra vocês, é a favor de vocês." Aproximando-se o tempo em que seria elevado aos céus, Jesus partiu resolutamente em direção a Jerusalém. E enviou mensageiros à sua frente. Indo estes, entraram num povoado samaritano para lhe fazer os preparativos; mas o povo dali não o recebeu porque se notava que ele se dirigia para Jerusalém. Ao verem isso, os discípulos Tiago e João perguntaram: "Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?" Mas Jesus, voltando-se, os repreendeu, dizendo: "Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los"; e foram para outro povoado”. (Lucas 9:56)

Quando me converti, nos anos 80, na igreja que eu congregava, apesar de alguma ignorância sobre o Evangelho, havia muita sinceridade, vivíamos o que sabíamos numa consciência de amor pelo próximo muito forte e assim, víamos com abundância o fruto do Evangelho! 

Entretanto, a partir dos anos 90 em diante, começou um declínio acentuado da ignorância e da sinceridade. O pouco que sabíamos deixamos de o praticar e por mais bíblias que se tenham vendido, cada vez menos se lê! A sinceridade deu o lugar a Chico espertice e à malandragem, iniciou-se o processo da exploração da fé, a busca de fama, dinheiro e poder. 

Com a chegada dos anos 2.000 para frente, entrou-se numa catástrofe espiritual muito grande, pois, nunca se viu tanta alma vendida como nos dias de hoje. Esta exploração da fé está sentada na ignorância e no misticismo cultural. Assim sendo, o que chamam de avivamento tornou-se um avivamento sem o Espírito Santo e o que chamam de crescimento, tornou-se num inchaço de vaidade e guerra de números. Daí que sente-se um peso no ar. São dias muito tristes para a igreja de Cristo. A grande pergunta: “Como se chegou a este estado?” 

Na passagem de Lucas, que acima transcrevi, podemos ver o raiz disto tudo: “Quem é o maior?”. Os discípulos de Jesus discutiam este assunto, entre os 12, quem é o maior entre eles? Com surgimento de grandes igrejas, iniciou-se este processo que mata o Evangelho: ” Quem é o maior? Quem é que tem mais unção? Qual a unção mais forte e quem tem o ministério maior? Qual o melhor título a adoptar?  Este é o espírito que reina na maioria das igrejas e ministérios, desde os mais pequenos aos maiores, todos querem ser grandes, todos querem protagonismo, todos querem ser "pais espirituais" de alguém, se for preciso, vende-se a alma. E o incrível é que;  até em pequenos grupos, como os 12 discípulos, se discutem: “Quem é o maior?” 

A fase seguinte é: “Se não posso ser maior, então, quero fazer parte dos melhores, dos maiores.” 

Na passagem que lemos em Lucas, vimos que quem incitava estas coisas era o João, sim o tal apostolo do amor, o tal que mais tarde escreveu as cartas de João e o evangelho de João. Ele e seu irmão Tiago, andavam com conversas estranhas, eles começam a questionar Jesus, indignados,  sobre alguém que expulsava demónios em nome de Jesus e que não andavam com eles, com o grupo. Hoje é igual, as igrejas organizam-se em grupos, juntam-se em parcerias e "franchising", criam-se associações e escolas bíblicas, para reforçarem a "visão", quem não pertencer está fora e ameaçam: “Se não andas connosco, vamos calar a tua boca.”  Isto é, ninguém pode fazer nada sem o aval do grupo e se não pertences, ou se quiseres fazer algo diferente, mas eles não concordam, te expulsão do convénio, do grupo, acusam-te que estás fora da visão e és um grande rebelde. Neste caso, relatado em Lucas, João e Tiago achavam que para expulsar demónios, o tal, tinha que andar com eles e com Jesus. 

Estes grupos organizados debaixo de uma sigla chamada “visão”, pensam que são os únicos que sabem de tudo e que estão autorizados por Deus para mediarem. Outros acham que só a igreja, ou só quem pertence a uma igreja, pode ter autoridade para fazer algo para Deus. 

Esse é o espírito do anti-Cristo, querem assentar-se como Deus, no Templo de Deus, querendo parecer Deus”. ( II Tess.2:4). Eles sentam-se na cadeira de Deus e acham-se com autoridade para mediar, acham-se mediadores entre Deus e os homens. Esquecem-se que o único mediador é Cristo, e o vento assopra onde quer! Jesus respondeu a João e a Tiago: "Não o impeçam... pois quem não é contra vocês, é a favor de vocês." 

Eu já ouvi frases como estas: “Se você não tem nada para me oferecer, então não me procure.” ou então: “Eu só oiço pessoas sejam maiores que eu, têm de ter mais de 6 milhões de euros na conta bancária, para os puder ouvir.” Ou ainda: “Não queiras pertencer a esse grupo pequeno, eles não têm dinheiro, não são nada, são uns palermas”. Este é o espírito do anti-Cristo, que reina na maioria das igrejas e grupos organizados: “Quem é o maior?”

Por último, mesmo assim, João e Tiago tiveram outro surto, quiseram praticar genocídio em nome de Deus, alias, é o que a igreja, em nome do cristianismo tem feito ao longo dos séculos, matam pessoas inocentes, em nome de Deus e da religião. 

Em nome da visão odeia-se pais e filhos, famílias dividem-se! O ódio aumenta. João e Tiago sugerem a Jesus Cristo: “Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?"

Ao ponto que se chega, a presunção das pessoas, querem fazer o papel de juízes dos outros. João e Tiago têm a lata de sugerir a Cristo um genocídio, morte a estes Samaritanos: “queres que façamos cair fogo?” Que lata, que presunção?! Como se eles assim pudessem o fazer. Esta é a lógica actual na maioria das igrejas: “Tu pertences aqui, não podes sair para outra igreja, senão ficas amaldiçoado. Tu toma cuidado, olha as maldições. Vamos orar e virá morte para aqueles rebeldes”. 

Jesus repreende e responde a João e a Tiago, bem como a todos nós hoje: “Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los". 

Verdadeiramente, este pessoal não nasceu de novo e se nasceu, caíram da graça de Deus. 

Para terminar, dou graças a Deus, que nem tudo está mal. Há uma geração nova que Deus está a levantar em todo o mundo, já se começa a ver um e outro, aos poucos, que não está corrompida, que não venderam a sua alma. Apesar de tudo, à uma esperança!

Sejamos como as crianças, e o maior seja o menor!

 

Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo

28/02/2020