Ser pastor de uma igreja é uma tarefa bastante difícil e torna-se mais difícil quando se é casado e com filhos. Ao longo destes 30 anos de serviço como pastor tive que aprender algo que é muito difícil, não permitir que o serviço de pastor interfira com a família, nem sempre se consegue. A igreja são pessoas, pessoas são todas diferentes, mesmo tendo a mesma crença no Evangelho, o modo como cada um aborda e vive não é igual.
Há uma imagem, no meu ponto de vista errada, que o pastor e a família do pastor são figuras quase perfeitas e quando vemos um membro dessa família falhar, a tendência é olhar para a falha como se fosse um escândalo, bem sei que escândalos existem, mas nem todas as falhas são escândalos.
A passagem de I Timóteo 3: 4 diz acerca do pastor, do bispo – “Que governe bem a sua própria casa, tendo os seus filhos em sujeição, com toda a modéstia; Porque se não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?”. É uma passagem mal-entendida e mal-usada na maior parte das vezes, ao ponto de em alguns casos, pastores são ameaçados e correm o risco de verem as suas vidas escorraçadas, expostas, manipuladas, coagidas. O objetivo é manter as aparências, de modo a apresentarem uma imagem perfeita, de uma família perfeita. Com isso, a pressão é constante em suas casas, discussões após discussões, o pastor impõe comportamentos à sua esposa e filhos.
Governar bem não significa governar na perfeição, não é possível governar bem sem erros, os erros e as falhas fazem parte da vida, na verdade, são os erros e as falhas que nos amadurecem, pois aprendemos com elas. Os filhos dos pastores são seres humanos, crescem e tornam-se adultos, assim como as famílias da igreja local. A Expressão: “Tendo os seus filhos em sujeição” não significa ser: “uns paus mandados”, que têm de negar a sua pessoalidade e individualidade, que fazem somente o que os pais querem.
Graças a Deus que nunca fiz isso com os meus filhos, apesar de muitas vezes ter sido tentado, tenho 5 filhos, todos eles bem diferentes na sua pessoalidade e individualidade. Quando eles eram bebés e crianças, para onde eu e a minha esposa íamos, eles iam, em muitas matérias eles não tinham voz, mas à medida que eles foram crescendo, fui envolvendo os meus filhos nas decisões da casa.
O mesmo que sempre fiz como pastor de igrejas. Não acredito no “Eu mando e vocês obedecem”, acredito muito mais em: “Apesar de ser o responsável, quero que vocês façam parte das decisões.” Gosto do caminho da cumplicidade, de ouvir os outros, compreender os nãos à minha volta, pois entendo que os nãos, não são sinais de rebelião ou desobediência. Os meus filhos sempre me respeitaram e, no entanto, várias vezes estiveram em desacordo, não vejo os seus desacordos como desobediências, pois, mesmo em desacordo, sempre obedeceram. Entretanto cresceram e são todos eles maiores de idade, senhores das suas opções. Eu não sou o Deus da vida deles.
Encontro muitas famílias de pastores e líderes de igreja, destroçadas, divididas, filhos de pastores desviados, destroçados por causa de imposições e obrigações, de métodos pouco ortodoxos para obrigarem os filhos a obedecerem e a manterem a tal aparência de perfeição e de sujeição diante da igreja local.
Muitos abandonaram a fé, se perguntarmos à maioria dos filhos de pastores: “se eles gostariam de ser pastores?”, a maioria diz que não.
Dou graças a Deus pela mulher e filhos que tenho, estão longe de serem perfeitos, mas todos têm uma coisa em comum: “Amam o Senhor” e isso é o mais importante para mim. Penso que o segredo está no respeito que sempre tive na pessoalidade e individualidade de cada um, deixá-los errar, deixar que eles aprendam com os seus erros e mais importante de tudo, deixá-los escolher , nunca os obriguei a frequentarem a igreja, nem pouco os manipulei para servirem ao Senhor, entendo que o melhor caminho é apontar "o caminho do Bom Pastor", Jesus Cristo.
No passado, várias vezes, pessoas confundiram estas linhas, não conseguiram separar escândalos de falhas, relacionamentos de filhos e pais, o papel dos filhos e dos pais, a igreja, a casa, as amizades de uns, as amizades de outros, neste caso, as amizades dos pais nem sempre são as mesmas das dos filhos, as amizades dos filhos nem sempre são as amizades das dos pais. Nada disto se pode impor.
Certo dia, em certo país, pastoreei uma igreja onde algumas destas linhas não foram entendidas por alguns dos nossos amigos na época. Por onde passamos temos alguma facilidade de fazer amizades, umas mais fortes do que outras, com naturalidade essas pessoas são convidadas a virem à nossa casa ou nós irmos à casa delas. Por vezes, algumas das nossas amizades acabavam por também se tornarem amizades de nossos filhos e vice-versa, mas outras não e este é o ponto chave, infelizmente, alguns de nossos amigos no passado, tiveram uma grande dificuldade em aceitarem este facto, a maioria deixaram de nos falar, porque acham que os meus filhos têm de ser seus amigos também. Inclusive houve tentativas de aproximação porque quiseram ser amigos casamenteiros, a coisa correu mal.
Torna-se um problema, quando um pai e pastor, bem como os irmãos da igreja pisam este risco, misturam tudo, confundem a amizade que têm com o pastor e esposa, como se fosse uma obrigação os filhos serem também amigos deles. Fica um clima de cortar à faca e por vezes o pastor, com medo de perder os irmãos da igreja local, obrigam e manipulam os próprios filhos a manter as aparências de “grandes amigos” que todos são. Isso é fatal para a igreja e para os seus filhos, pois não admira, que alguns filhos de pastores não falam com os seus próprios pais. O resultado final termina assim: Você perde os seus filhos e perde esses irmãos também.
Na minha casa uma coisa é bem clara: "Os meus amigos são meus, também podem ser da minha esposa e dos meus filhos, os amigos dos meus filhos e da minha esposa são deles, que também podem vir a ser meus, enfim, para nós é um assunto bem arrumado há anos.
Claro que não podemos confundir amizades com a prática do amor e do respeito ao próximo.
Já vi tantas vezes, os meus filhos ajudarem pessoas que não conhecem de lado nenhum, agora, amizades? As amizades é do fórum pessoal.
O meu desejo, ao escrever estas linhas, é ajudar pastores e famílias a termos mais cuidado com o modo como lidamos com estes assuntos.
Deus abençoe a todos!
03/05/2021
José Fidalgo