“Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada fará dano algum. Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos nos céus. (Lucas 10:19-20) 

Um dos assuntos que continua a fascinar os crentes é a pessoa do diabo e a expulsão de demónios. 

Quando eu me converti, em 1986 na igreja Maná, as pregações eram muito focadas na pessoa de Jesus Cristo, na fé e no amor ao próximo. Este amor de Jesus era tão forte, que a consequência disso, eram sinais e maravilhas. Centenas de pessoas, todas as semanas, convertiam-se ao Evangelho, pessoas curadas de males e os que eram atormentados por demónios ficavam libertos, como consequência da prática do Evangelho e do amor de Cristo.

No entanto com o tempo, o foco mudou, aos poucos, a prática do Evangelho e do amor de Cristo, foi subtilmente mudado, o foco passou a ser a busca dos sinais e das maravilhas, bem como o fascínio pela expulsão de demónios e da pessoa do diabo. 

O mesmo aconteceu com os discípulos de Jesus Cristo, eles receberam instruções e quando regressam de uma missão que Jesus lhes deu, a primeira coisa que eles relatam foi: “...Senhor, pelo teu nome, até os demónios se nos sujeitam

Este é o fascínio de muitos crentes, muitos líderes; a expulsão de demónios, o lutar contra o diabo.

As igrejas estão repletas de pregações de como devemos lutar contra o diabo, expulsar demónios, de que todo o mal passa a ter origem no diabo, passamos a ver o diabo em cada esquina de uma rua, em cada área da nossa vida que não vai tão bem, ao ponto de que, o medo entra no coração de muitos e por medo somos manipulados com mensagens de possíveis maldições que nos podem acontecer “se...”; este “se...”, é o “se não sacrificares, se não deres uma oferta grande” para deitar abaixo o “Golias”, que tipifica o diabo que nos quer roubar. 

Esta sensação, de que o diabo anda a rodear-nos a toda a hora, para ver a quem pode tragar, mantém-nos cativos a esse medo. 

O foco nas pregações deixa de ser Cristo e passa a ser o diabo, é diabo para cima, é diabo para baixo, é diabo para todos os lados. Nas reuniões de oração é só ver o modo como são conduzidas, a toda a hora, se expulsa o diabo,  por cada assunto que a igreja ora, expulsa-se o diabo e os demónios. Eu pergunto: “Com tanta expulsão, porque é que não estamos melhor?”  Qualquer coisa está errado, creio que não é com Deus. 

Jesus centra a atenção dos discípulos no foco certo: “...Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos nos céus

Jesus ainda disse mais: “ Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum.” 

Muitos atribuem este poder ao nome de Jesus, pensam que dizer: “Em nome de Jesus” está tudo dito.  Este: “Eis que vos dou poder...”  é um poder totalmente diferente do que muitos pensam, este poder que Cristo nos dá, está centrado em outra coisa, que a maioria não está disposta a praticar. 

O apostolo João dizia na sua primeira carta: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca

Que poder é este, que até o maligno não nos pode tocar? Que poder é este, que nada nos fará dano algum? A resposta vem  a seguir no versículo 20 de I João 5; Cristo é gerado de Deus, sendo ele mesmo Deus e quando entendemos e permanecemos no que é verdadeiro, então não podemos ser tocados pelo maligno, porque estamos em Cristo e Cristo está em nós. ( I João 5:18-20) 

O que é que faz perder esta protecção? Quando deixamos de permanecer no que é verdadeiro, quando caímos da sua Graça. 

Em Gálatas 5, Paulo dizia isso mesmo, separados de Cristo estamos, quando nos obrigamos a sermos justificados pela lei, por regras e vãs doutrinas de homens, quando deixamos de operar a fé por amor

O que nos mantém ligados a Cristo é o amor de Cristo. O amor de Cristo é o poder do Evangelho praticado, esse é o poder que nos protege do maligno, que faz com que nenhum mal nos suceda. 

Dele temos este mandamento: “Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”.

Como é que ele nos amou? Dando a sua vida. Como devemos nós amar? dando a vida aos irmãos. 

Este é o verdadeiro PODER: “Eis que vos dou poder...” 

A maioria das igrejas e dos crentes, não estão mais dispostos em andar neste amor de Cristo, “dar a vida pelos irmãos? Isso é para outros e não para mim”. O que a maioria quer é a magia de Deus;  “queremos que Deus mande fogo do Céu para consumir os nossos inimigos e a todos os que nos atrapalham na nossa caminhada”.   

O ódio entre os cristãos está a aumentar cada vez mais,  todos querem o poder, como demonstração de força, de milagres, muitas vezes forçados e induzidos,  querem ver as expulsões de demónios, que a toda a hora entram e saem das pessoas, numa corrida para mostrar quem tem mais unção. Entretanto, os irmãos em Cristo estão abandonados à sua sorte sem o devido apoio no verdadeiro amor de Cristo: “Quem, pois, tiver bens do mundo, e , vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?” (I João 3:17) 

Foi exactamente isso que vi acontecer ao longo destas últimas décadas por onde passei,  trocou-se o fascínio por Cristo pelo fascínio dos sinais e maravilhas, pelo fascínio do expulsar demónios e a comparação de quem tem mais unção. 

Tantas expulsões que andam por aí e o diabo continua a fazer o que sempre fez. 

Sabemos que não podemos ignorar os seus ardis, ele é o inimigo do Evangelho, mas se nós permanecermos no Verdadeiro, ele não nos pode tocar, só quem cai da Graça de Deus, só quem se priva da Graça de Deus, sujeita-se a cair nos ardis do diabo. 

Jesus Cristo em tudo foi nosso exemplo, a relação de Jesus com o diabo foi muito simples. Por algumas vezes, Jesus enfrentou o diabo, como? Expulsando-o? Não, nunca vemos Jesus a expulsar o diabo; na tentação do diabo no deserto, vemos o modo como Jesus resistiu à tentação, declarando o que está escrito na Palavra de Deus, apesar de que o diabo também citou versículos, Jesus contrapôs sempre e diz a Escritura que após a tentação, o diabo ausentou-se por algum tempo. Se ele tivesse sido expulso, ele não teria regressado outras vezes para o tentar. Na verdade, o diabo é o acusador, que acusa-nos todos os dias, ele tem acesso a Deus para nos acusar, assim diz a Escritura, vemos isso no livro de Job e também em Apocalipse, quando é dito: “...que já o acusador dos nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite” (Apoc.12:10); Mas logo a seguir, a Escritura nos diz como é que ele foi vencido: “E eles o venceram, pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte”.(Apoc.12:11) 

A forma de vencermos os ardis do diabo, é pelo que Cristo fez, o Cordeiro de Deus que nos redimiu com seu sangue na cruz, com a palavra do Evangelho, o Evangelho é o testemunho de Cristo e também não amamos a nossa vida, isto é, demos a vida pelos irmãos, aquele que ama, dá a vida pelos seus amigos e irmãos em Cristo. Este é o poder pelo qual, todos os crentes deveriam crer e andar. 

A maioria dos crentes passam a vida a expulsar o diabo em nome de Jesus, quando ele já está sentenciado por Deus. Só precisamos de permanecer no Verdadeiro, pela fé que opera no amor. 

As únicas vezes que vemos Jesus a expulsar, foi quando expulsava demónios das pessoas e expulsou os cambiadores do Templo, partindo-lhes as mesas do negócio! Os discípulos de Jesus expulsavam demónios, mas não há relatos de Jesus e os discípulos de Jesus expulsarem o diabo das pessoas, mesmo no conhecido episódio com Pedro, quando Jesus disse a Pedro: “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo...” (Mateus 16:23)

Jesus não estava a expulsar o diabo de Pedro, nem dele próprio, Jesus reconhece a fonte maligna daquelas palavras, pois aquelas palavras que Pedro proferiu eram contrárias à vontade de Deus para Cristo, mas o diabo não foi expulso de vez, pois sabemos que mais tarde ele iria entrar em Judas Iscariotes, e também, mais tarde Jesus viria advertir Simão Pedro dizendo: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar (andar sem rumo) como trigo; Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos”. (Lucas 22:31,32

Jesus não disse, vou expulsar o diabo, ou vocês têm de expulsar o diabo, ele disse: “eu rogarei por ti...” 

No livro de Judas lemos algo muito curioso: “Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda”. (Judas 1:9

O arcanjo Miguel não ousou pronunciar juízo de maldição contra o diabo. Eu vejo e oiço os crentes a chamarem nomes ao diabo, capeta, o demo, e sei lá mais o quê, pensam que o diabo fica ofendido ou intimidado com os nomes que podemos o chamar. Infelizmente é um gozo, é perder tempo, é uma brincadeira de mau gosto andarem a expulsar o diabo. 

Aqueles que permanecem no Verdadeiro, que amam e dão a vida pelos irmãos, esses são de Deus, por ele são protegidos!

“Mas fiel é o Senhor, que vos confortará e guardará do maligno” (II Tess.3:3)

 

Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo

22/01/2020