Alguém um dia disse: “Grandes igrejas, grandes problemas!”
A maior parte dos líderes de igrejas querem ter igrejas grandes, multidões...basta entrar em seus gabinetes pastorais e olhamos para os quadros, fotografias colados nas paredes de imagens de multidões, estádios e pavilhões cheios: “Esta é a minha visão”, dizem.
Há algum mal nisso? Aparentemente não deveria haver mal, mas normalmente o nosso ego gosta; “temos de ter uma visão grande”, dizem.
Jesus Cristo sempre foi seguido por multidões, mas ele não se impressionava com isso, as grandes verdades foram faladas em pequenos grupos, em jantares, em casas, com os seus 12 discípulos mais próximos!
Uma das 7 igrejas que Jesus pediu a João para escrever cartas, a que só teve elogios por parte de Cristo, foi Smirna, uma igreja pobre, aos olhos das pessoas, mas que aos olhos de Cristo era rica, uma igreja cheia de tribulações, mas que nunca se envergonhou do Evangelho e combateu sempre os que eram da sinagoga de Satanás. Ser pobre e pequeno não é nenhum problema para Deus.
Mas a tentação de ser “grande”, é perigosa, porque o laço que vem a seguir é o laço pelo controle das multidões. Nestes 30 anos de Evangelho, por onde eu passei, a história conta que os recursos das igrejas grandes, são gastos, na minha opinião e ao conhecer o Evangelho como eu conheço agora, de uma maneira errada, mas os líderes necessitam para manter a estrutura, sem a qual não conseguem, pelo menos, manter ou aumentar os seus recursos financeiros. O controle das multidões é feito muitas vezes por coação. Quando há abundância de recursos, há abundância de ideias e projectos...no entanto esses projectos têm o propósito de criar a imagem de grandeza. É essa imagem de grandeza que vai legitimar o homem, o projecto ou a organização como vindo de Deus, chama-se a isso, nessas organizações, de frutos. Para eles, frutos são bens, são alvos atingidos, números conseguidos, são jactos particulares, prédios de luxo, carros de luxo, empresários prósperos, igrejas cheias e que se multipliquem pela face da terra.
A estratégia passa por aí mesmo, precisamos de passar a imagem, a imagem de poder aquisitivo, de força, de como Deus é connosco, pois traz muita glória para Deus. A justificação é baseada na “doutrina da prosperidade”, dizem que: “Deus quer-nos ricos e que ninguém ouve os pobres. Se desejamos ser ouvidos, precisamos de crescer a nível financeiro, precisamos de mostrar que temos”.
No entanto, a todo o tempo, o Evangelho de Cristo fala-nos completamente o oposto.
Por exemplo; no livro de Eclesiastes capitulo 9:14-16, a mesma passagem que usam para afirmar que ninguém ouve os pobres, diz exactamente o oposto. O autor conta que existia numa cidade um sábio pobre, que livrou a cidade, pela sua sabedoria e que, com o tempo, a população não se lembrava mais do sábio pobre e das suas palavras...o autor de Eclesiastes está a querer dizer, que é sabedoria ouvir os sábios, mesmo que estes sejam pobres. A nossa tendência é esquecermos as palavras dos sábios, quer sejam pobres ou ricos. O mais sábio de todos é Cristo e até as palavras dele nós esquecemos.
Como dizia, a tentação de mostrar é grande e isso tem um custo alto, para além de se gastar muito dos recursos, leva a outro custo que considero terrível, o custo da coação, o controle para manter as pessoas agarradas à organização, ou, caso a pessoa não tenha mais interesse para a organização, fazer de tudo para que seja pressionada(o) a sair.
O que é coação? É forçar alguém a fazer algo contra a sua vontade. Do ponto de vista jurídico, o crime de coação é caracterizado como o ato de agir com pressão ou violência (física, psicológica ou verbal) perante outra pessoa, com o propósito de obter algo contra a vontade desta.
A coação é considerada uma injustiça, pois fere directamente o direito a liberdade de ação dos indivíduos, por exemplo.
No âmbito jurídico, a coação também representa o efeito de provocar constrangimento em outrem, ainda com a intenção de adquirir determinado objectivo sem a vontade da pessoa coagida. Quando há o uso de uma grave ameaça (verbal) esta é considerada uma coação moral.
Ora o Evangelho de Jesus Cristo nos diz o oposto, Jesus nunca coagiu ninguém a segui-lo. O amor ama a justiça e detesta a injustiça. Se os próprios tribunais e as leis caracterizam a coação como crime, como é possível a igreja, que se diz de Cristo, cometa estes crimes quase diariamente?
Nesta minha memória quero relatar apenas alguns exemplos infelizes, que se passaram na minha presença, com colegas meus, outros eu mesmo fui a vitima.
Um dos exemplos tipos é o caso de envio de casais de pastores para outras regiões do país ou para outros países, com a justificação que: “Deus vos chama para irem para tal parte”.
A maior parte destes casos típicos são puras coações, porque a vontade das pessoas raramente é consultada: “Vais e pronto, é Deus que te chama”. Se alguém dissesse que não ia, logo recebia o rótulo de desobediente, rebelde, não ama a Cristo. Iniciava-se um processo de purga, instaurava-se uma comissão de ética e à nascença o arguido já estava condenado, só precisávamos de saber que sanção deveríamos aplicar.
As sanções eram várias, podia ser redução salarial, ficar no banco, isto é, inactivo por um período de tempo, mudar para um outro local, mas sem grandes condições para o casal viver ou então, se o caso fosse considerado mais grave, entrariam no “hospital espiritual”.
A lógica do “hospital espiritual” seguia a lógica de um hospital normal, isto é, quando alguém está doente e de doença grave, contagiosa, fica internado para ser cuidado e não convém ter visitas para a doença não se pegar. Só que neste caso, a lógica tornou-se maquiavélico, a pessoa culpada, pela comissão de ética, tinha o rótulo de doente espiritual: “de desobediente”, uma doença considerada pela organização, de contagiosa, o desobediente podia contaminar muito mais pessoas a serem desobedientes à organização. O paciente ficava num gabinete isolado, à parte de todos e durante o período laboral, tinha de ler os livros da visão da igreja, os manuais das regras da igreja, repetir vezes sem conta a mesma leitura, orar muito e não podia falar com nenhum colega, assim como os colegas eram proibidos de falarem com essa pessoa, pois o perigo de contágio era grande, diziam.
Se alguém me contasse isto, eu não acreditaria, mas como eu vi e eu mesmo fui um dos pacientes desse hospital, sei o que estou a dizer. Ora isto é o quê? Simplesmente o crime de coação. O mesmo que, muitas empresas em Portugal cometem com muitos dos seus funcionários. Isolam as pessoas, criam ambientes de bullying para ver se a pessoa desiste e por ela mesmo se despeça.
A organização sempre diz: “Nós não despedimos ninguém, se alguém sai é porque quer”.
A maior das hipocrisias...
Outro exemplo de coação é ameaçar as pessoas com o medo do inferno e das maldições. Neste tipo de organização e denominação não se pode nunca contestar a liderança, pois é visto como um ato de rebelião, e usa-se a bíblia para se dizer: “Os rebeldes não entram no reino dos céus”. Para eles rebeldes são todos aqueles que não seguem as regras da organização, que contestam, que levantam a voz para dizer: “Isto é uma injustiça”, não se pode ler livros de outros autores, não se pode conviver com pessoas de outras igrejas, a não ser daquelas que autorizam. E se a pessoa é vista a falar ou tem no facebook como amigo alguém que eles consideram rebeldes, logo a pessoa é chamada à atenção e se não parar, levada à comissão de ética. Assim vivem muitos. Debaixo de um jugo, que Cristo não planeou para ninguém.
Daí que, a imagem de que mencionei acima neste texto entra, para mexer no emocional das pessoas. “O líder é um homem de Deus, já viste o poder que ele tem, o dinheiro que movimenta, as igrejas que tem, os aviões, as rádios, as televisão, ele vai a África, as multidões que o seguem, o modo como as pessoas dizem amém, etc. Se ele não fosse um homem de Deus verdadeiro não tinha todas estas bênçãos”. Ora aqui é que entra o engano. Quem não conhece o Evangelho acredita assim, mas quem conhece o Evangelho não se move pelas aparências. Porque o verdadeiro fruto do Evangelho não é a aparência de poses e bens, o tamanho do prédio, as multidões que nos seguem, os aviões e carros de luxo. O fruto do Evangelho é o amor, a justiça e a verdade; o amor que pratica a justiça e ama a verdade!
Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo
10/01/2020