O capítulo 27 de Genesis retoma um pouco da história da vida familiar de Isaque e Rebeca, agora já com filhos mais crescidos. Tiramos úteis aprendizagens desta dinâmica familiar, extraindo importantes princípios:
Principio 1 - Importância da escolha do conjuge
A preocupação de Abrão ao escolher esposa para Isaque, faz-nos perceber que esta escolha para ser corretamente feita, tem de mediar a emoção com a racionalidade. Olhamos agora para as escolhas de Esaú, um dos filhos de Isaque e Rebeca, e compreendemos que se reitera este princípio, dos cuidados a ter na escolha da pessoa a quem ligamos a nossa vida, quando temos como prioridade levar uma vida de acordo com os padrões de Deus e fazer d´Ele o centro da nossa vida. Percebemos, ainda no capítulo 26 de Génesis, que Esaú arranjou duas mulheres heteias e o que a Bíblia refere ao falar delas é que “foram, para Isaque e Rebeca, uma amargura de espírito” (Gén. 26:35). Um pouco mais à frente, em Gén. 27:46, podemos ler: “ E disse Rebeca a Isaque: Enfadada estou da minha vida, por causa das filhas de Hete; se Jacó tomar mulher das filhas de Hete, como estas são, das filhas desta terra, para que me servirá a vida?”
Esaú tinha-se unido a mulheres heteias, ou seja que pertenciam a um povo muito diferente quer quanto à educação, cultura, modo de pensar e fazer as coisas. Este povo venerava deuses variados, não reconhecendo no Senhor Jeová, o Deus criador de todas as coisas, e único Senhor sobre a Terra, ao contrário de Isaque, Rebeca e sua descendência. Tratava-se assim, daquilo a que somos advertidos em II Corintios 6:14: “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; Porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?” Esaú uniu-se a jugos desiguais e podemos perceber o impacto disto na sua família quando é referido que estas mulheres foram,para seus sogros,amargura de espirito. Ou seja,a união de seu filho a mulheres heteias trouxe a Isaque e Rebeca, sofrimento e tristeza profundos, a ponto de Rebeca declarar estar enfadada, isto é, sentir-se profundamente triste e desamparada. Rebeca mostra ainda preocupação com o facto de Jacó poder ter atuação semelhante à de Esaú, nestas escolhas,tais eram os seus receios.Ela refere que se tal acontecesse, teria de questionar a própria vida, tal seria a sua tristeza.
Há um grande contraste aqui demonstrado, entre o modo preocupado como Abrão buscou esposa para Isaque, e o modo como Esaú escolheu, sem critério cuidado, as suas mulheres. Talvez ele se tenha baseado na atração, na beleza, na paixão…Não sabemos, mas sabemos que não foram seguidos os conselhos de Deus, que tinham sido contemplados na união dos pais destes dois rapazes.
Principio 2 - O cuidado aos pais na fragilidade
Leiamos agora Gén. 27:1- 4:” E aconteceu que, como Isaque envelheceu, e os seus olhos se escureceram, de maneira que não podia ver, chamou a Esaú, seu filho mais velho, e disse-lhe: Meu filho. E ele lhe disse: Eis-me aqui. E ele disse: Eis que já agora estou velho, e não sei o dia da minha morte; Agora, pois, toma as tuas armas, a tua aljava e o teu arco, e sai ao campo, e apanha para mim alguma caça. E faze-me um guisado saboroso, como eu gosto, e traze-mo, para que eu coma; para que minha alma te abençoe, antes que morra”.
Esta passagem mostra-nos que Isaque, ao ficar velho, perdeu faculdades e encontrava-se cego. Tornou-se, assim, mais frágil e vulnerável, necessitando de maior apoio dos mais próximos.
Atualmente, atravessamos uma época em que as pessoas são de tal forma absorvidas, ou pela vida profissional, ou pela própria forma egocêntrica de estar, que não encontram um momento para responder às solicitações dos seus entes queridos, especialmente os mais velho que lhes foram tão próximos, que tanto fizeram por eles e para eles, e em especial refiro os pais, cujo papel é absolutamente essencial na vida de cada ser humano. Mas, não foi assim com Esaú: quando Isaque chamou o seu filho primogénito, este não ripostou nem se mostrou contrariado, antes respondeu prontamente “Eis-me aqui”, arranjando um espaço na sua vida, para o seu pai, e para atender ao pedido que ele lhe faria. Esta atitude demonstrou cuidado para com o seu pai, prestando-lhe honra. Deus dá grande importância a esta questão, a ponto de ser o primeiro mandamento que surge em Êxodo 20:12: ” Honra a teu pai e a tua mãe, (…)”, e a ser condição para obter uma bênção tremenda nesta vida: “(…) para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”.
Principio 3 – A mentira pode parecer uma boa solução
Gén. 27:5-17 relata a ideia que teve Rebeca ao ouvir a conversa entre Isaque e Esaú. E se tão depressa pensou, mais rapidamente agiu, cozinhando ela mesma uma refeição que sabia agradar a Isaque, por forma a conseguir, em cumplicidade com o seu filho predileto, que a bênção que deveria ser entregue a Esaú, lhe fosse entregue a ele. Assim, como planeado com sua mãe, Jacó foi ter com seu pai, o que está relatado em Gén. 27:18-19: “E foi ele a seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui; quem és tu, meu filho? E Jacó disse a seu pai: Eu sou Esaú, teu primogênito; tenho feito como me disseste; levanta-te agora, assenta-te e come da minha caça, para que a tua alma me abençoe. “ – Esta foi a primeira mentira de um esquema ardiloso montado por Jacó e sua mãe para obter o que queria, de seu pai. Mesmo perante a pergunta do pai “Quem és tu?”, que lhe daria oportunidade de refletir e alterar o rumo da situação, Jacó manteve a sua decisão de enganar.
Mas esta não foi a sua única oportunidade de voltar atrás. No Vers. 20 vemos que Isaque estranhou a rapidez com que Esaú teria ido buscar a caça, e voltou a colocar questões: “ Então disse Isaque a seu filho: Como é isto, que tão cedo a achaste, filho meu?” E perante a questão colocada pelo pai, Jacó voltou a mentir, afirmando: “ Porque o Senhor teu Deus a mandou ao meu encontro.” Jacó invocou a vontade do próprio Deus como se tal fizesse parte do esquema mentiroso montado por ele e sua mãe.
Ainda assim, Isaque não parecia convencido e, como não via bem, quis utilizar o sentido em que aprendera a mais confiar: o tato. Deste modo, vemos nos vers. 21- 24: “ E disse Isaque a Jacó: Chega-te agora, para que te apalpe, meu filho, se és meu filho Esaú mesmo, ou não. Então se chegou Jacó a Isaque seu pai, que o apalpou, e disse: A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú. E não o conheceu, porquanto as suas mãos estavam cabeludas, como as mãos de Esaú seu irmão; e abençoou-o. “ Portanto, Jacó enganou seu pai não só por palavras mas através de um esquema bem montado, e apesar das desconfianças de Isaque, Jacó foi-lhe devolvendo formas de conquistar a sua confiança. Ainda assim, Isaque, mesmo depois de o tocar, deu-lhe outra oportunidade de ser sincero: “E disse: És tu meu filho Esaú mesmo? E ele disse: “Eu sou.”
Perante tal confirmação, Isaque avança, usando ainda como ultimo recurso, o olfato, mas até esse pormenor foi pensado, como vemos nos Vers.25-29:“ Então disse: Faze chegar isso perto de mim, para que coma da caça de meu filho; para que a minha alma te abençoe. E chegou-lhe, e comeu; trouxe-lhe também vinho, e bebeu. E disse-lhe Isaque seu pai: Ora chega-te, e beija-me, filho meu. E chegou-se, e beijou-o; então sentindo o cheiro das suas vestes, abençoou-o, e disse: Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, que o Senhor abençoou; Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem.”
Após a bênção estar entregue a Jacó, e tudo aparentar ter corrido bem, chegou então Esaú, a quem Isaque queria realmente entregar tal bênção (Vers. 30:” E aconteceu que, acabando Isaque de abençoar a Jacó, apenas Jacó acabava de sair da presença de Isaque seu pai, veio Esaú, seu irmão, da sua caça;“)
Principio 4 – A mentira traz consequências irremediáveis
Prosseguimos agora em ler Gén. 27:32-40: “E disse-lhe Isaque seu pai: Quem és tu? E ele disse: Eu sou teu filho, o teu primogênito Esaú. Então estremeceu Isaque de um estremecimento muito grande, e disse: Quem, pois, é aquele que apanhou a caça, e ma trouxe? E comi de tudo, antes que tu viesses, e abençoei-o, e ele será bendito. Esaú, ouvindo as palavras de seu pai, bradou com grande e mui amargo brado, e disse a seu pai: Abençoa-me também a mim, meu pai.” - Aqui podemos ver o desespero de Esaú, procurando remediar a situação.
“E ele disse: Veio teu irmão com sutileza, e tomou a tua bênção.” – Isaque expressa, portanto, como se sente enganado e como percebe que se tratou de um apropriação de algo que não era do seu filho Jacó. Sabemos que este sentimento de confiança traída é difícil de restaurar e marca o rumo das relações interpessoais. Este sentimento minou a relação entre Jacó e Isaque, e decerto entre Isaque e Rebeca, e sem dúvida, entre Jacó e Esaú:“Então disse ele: Não é o seu nome justamente Jacó, tanto que já duas vezes me enganou? A minha primogenitura me tomou, e eis que agora me tomou a minha bênção. E perguntou: Não reservaste, pois, para mim nenhuma bênção?” – Esaú volta a mostrar o desespero, incidindo no engano de que foi alvo e insistindo para que seu pai remedeie o sucedido. Ele sente-se injustiçado e alvo da má-fé do seu irmão. “Então respondeu Isaque a Esaú dizendo: Eis que o tenho posto por senhor sobre ti, e todos os seus irmãos lhe tenho dado por servos; e de trigo e de mosto o tenho fortalecido; que te farei, pois, agora, meu filho?”- O próprio Isaque sente-se encurralado, por ter entregue a Jacó todo o poder que queria entregar a Esaú. A última frase de Isaque reflete bem o seu próprio desespero e sentimento de incapacidade de remediar a situação.
“E disse Esaú a seu pai: Tens uma só bênção, meu pai? Abençoa-me também a mim, meu pai. E levantou Esaú a sua voz, e chorou.” – Mais uma vez fica reiterado o desespero de Esaú, na sua insistência para com seu pai, e no culminar em lágrimas. Ele tinha sido prejudicado por algo a que era alheio!
“Então respondeu Isaque, seu pai, e disse-lhe: Eis que a tua habitação será nas gorduras da terra e no orvalho dos altos céus. E pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás. Acontecerá, porém, que quando te assenhoreares, então sacudirás o seu jugo do teu pescoço. “- Isaque ofereceu ao seu filho a única solução que poderia oferecer, que nem sequer era imediata e que não reestabelecia a ordem dos acontecimentos, apenas era uma arremediar possível para o sucedido, mantendo-o debaixo da servidão a Jacó por muito tempo.
Principio 5 – O engano gera mágoa e ódio e provoca danos irreparáveis
Se continuarmos a ler, em Gén 27:41-45, percebemos que Esaú acabou por sentir ódio. É um sentimento feio, mas que pode nascer em todo aquele que se sente prejudicado, pois sendo feio, é muito humano: “E Esaú odiou a Jacó por causa daquela bênção, com que seu pai o tinha abençoado; e Esaú disse no seu coração: Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; e matarei a Jacó meu irmão.” - Mesmo assim, em respeito para com seu pai, Esaú geriu as emoções, e conteve o ódio, não deixando, no entanto de planear vingar-se de seu irmão, tirando-lhe a vida. Todavia, não quis expor o seu pai a tal dor, e engendrou aguardar a morte de Isaque antes de agir. Mas Rebeca soube dos propósitos de Esaú, e receou que as coisas se precipitassem, como expresso na continuidade da história: ” E foram denunciadas a Rebeca estas palavras de Esaú, seu filho mais velho; e ela mandou chamar a Jacó, seu filho menor, e disse-lhe: Eis que Esaú teu irmão se consola a teu respeito, propondo matar-te. Agora, pois, meu filho, ouve a minha voz, e levanta-te; acolhe-te a Labão meu irmão, em Harã, E mora com ele alguns dias, até que passe o furor de teu irmão; Até que se desvie de ti a ira de teu irmão, e se esqueça do que lhe fizeste; então mandarei trazer-te de lá; por que seria eu desfilhada também de vós ambos num mesmo dia?”- Rebeca tentou gerir a situação da melhor forma, tentando proteger os filhos, principalmente o seu preferido. Sabendo que o tempo pode ser um aliado quando se fala de abrandar o ódio e afastar a mágoa, sugeriu a guarida de Jacó junto de seu tio Labão, pois tinha esperança que, afastados, o furor de Esaú pudesse ir abrandando.
Esta situação desestruturou esta família, trouxe divisão, sentimentos perversos nos corações de todos, e sabemos que Rebeca nunca mais viu Jacó, pois adoeceu durante o exílio deste em casa de Labão, e veio a falecer enquanto Jacó regressava a Canaã.