A Bíblia contém várias histórias que nos revelam algumas dinâmicas familiares, a influência do modo de atuação dos pais quanto às relações entre os filhos, e modos de fomentar ou não as relações familiares saudáveis.
Das histórias que vamos abordar, cada pai / mãe pode retirar importantes princípios para colocar em prática no seu dia-a-dia, identificando ainda alguns alertas e cuidados a reter, e podendo recorrer a estas histórias para alertar os seus filhos quanto ao melhor modo de agir nos relacionamentos familiares.
A primeira família: Adão, Eva e seus filhos: Caim e Abel
( Gen 4: 1-16)
Principio 1 : Se não dominarmos o pecado, somos dominados por ele:
Adão e Eva foram pais, primeiro de Caim e depois de Abel. Por algum motivo, quando ambos os irmãos levaram a Deus, a oferta que era fruto do seu trabalho, Deus atentou mais para a oferta de Abel. Vemos nos vers.5 e 6 que Caim ficou triste e permitiu que essa tristeza se tornasse em ira. Deus, percebendo a ira que se levantava, alertou-o, exortando-o a praticar o bem e não permitir que o pecado tomasse lugar. Deus usou a expressão “ (…) o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, e sobre ele deves dominar” (vers. 7)
O ser humano necessita sentir que é aceite, que é querido. Quando existe mais do que um ser humano, em posições semelhantes (como é o caso dos irmãos), e um se sente preterido, sentimentos de tristeza e rejeição podem assolar. Deus alertou Caim para que simplesmente se mantivesse a fazer o bem e advertiu-o, dizendo que ao permitir que aquela tristeza se transformasse em ira, esta conduzi-lo-ia ao pecado e o pecado o dominaria. Então ele deveria desde já, não o permitir, mas antes dominar o pecado. Como? “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito?” (vers. 7)
O pecado é dominado quando nos mantemos a fazer o bem!
Principio 2: Os atos podem ter consequências graves, sem que percebamos
…na vida dos outros
“ (…) se levantou Caim contra seu irmão Abel, e o matou” (vers. 8) - apesar do alerta direto de Deus a Caim, este permitiu que a tristeza desse lugar à ira e a ira ao ódio, dando assim lugar ao primeiro homicídio.
Mas pensemos juntos: Será que já se conhecia a morte física no mundo? Adão e Eva tinham pecado e sido expulsos do Jardim do Éden, e foi-lhes dito que a morte entraria nas suas vidas. Mas ninguém ainda tinha experimentado a morte física, o que nos leva a colocar a questão: será que Caim tinha consciência da gravidade do seu gesto?
É inquestionável que ele não conseguiu dar ouvidos às advertências de Deus, e percebemos que Caim foi violento com o seu irmão, na expressão de uma raiva que não dominou. Mas quereria ele matar Abel? Saberia ele o que isso significava?
Percebemos uma modificação no comportamento de Caim: quando Deus o questiona acerca do paradeiro do irmão, ele começa por ser insolente e mesmo irreverente “Não sei. Sou eu o guardador de meu irmão?””- (vers.9).
Eu arriscaria dizer que Caim não sabia o que era a morte, o que não desculpa o seu ato de violência e falta de autocorreção quando Deus lhe chama a atenção.
Por vezes, não temos a noção do dano que podemos causar a outrem com a nossa atitude, mas o facto de não termos essa noção, não evita tal dano!
Mas Deus confrontou Caim:” Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão” (vers.10-11), e foi então que Caim compreendeu a gravidade da consequência do seu ato ”.
A vida do seu irmão acabou ali. Foi uma consequência terrivelmente grave!
Esta passagem mostra-nos a importância do autodomínio, que evita o risco de agir de modo impulsivo / impensado, com as consequências inerentes.
…na nossa própria vida
Caim mudou a sua atitude quando confrontado. Ele deixou a atitude arrogante inicial de lado, e, reconhecendo o seu pecado, concluiu ser indigno de perdão - “é maior a minha maldade do que a que possa ser perdoada” (vers. 13). Ele percebeu o quão grave tinha sido para o seu irmão, a consequência do seu ato, e ao perceber tal gravidade, ele próprio quis aumentar a consequência do seu pecado, para si próprio, como um autoflagelo, entendendo-se merecedor de ser castigado.
Deus dissera-lhe que haveria consequências para si próprio (vers.12) “ (…) fugitivo e vagabundo serás na terra”, mas ele acrescentou:“ (…) todo aquele que me achar me matará” (vers.14), uma vez que sentia que a penalização que lhe estava a ser dada era insuficiente, se colocadas na balança com a consequência trágica do seu ato. Afinal, para o seu irmão, aquele ato já não tinha retorno!
Por vezes, quando percebemos que a consequência do nosso ato foi muito grave e não o desejávamos realmente, nada podendo fazer que o repare, vem sobre nós o sentimento de condenação que nos leva a desejar castigarmo-nos ainda além da consequência dolorosa do ato em si. A Bíblia diz que o Diabo é o condenador. Mas Deus, na sua graça e grande bondade, exerceu misericórdia sobre a vida de Caim, como exerce sobre a vida de quem se arrepende genuinamente. Deus manteve sobre Caim a Sua proteção - “E, pôs o Senhor um sinal em Caim para que não o ferisse, qualquer que o achasse.” (vers. 15) – mas não evitou a consequência do seu ato (vers. 16) “(…) saiu Caim de diante da face do Senhor. E habitou na terra de Node (…) ”. Caim separou-se de seu pai e sua mãe, que tendo perdido um filho, pela morte, acabaram por perder o segundo pela separação.
Portanto, mesmo quando Deus perdoa o pecado, não há como evitar a consequência. Por vezes não avaliamos corretamente o impacto que as nossas palavras ou ações podem ter, mas tais palavras ou gestos têm consequências que, na generalidade, não podem ser interrompidas ou anuladas: Nem para os outros, nem para nós mesmos, podendo mesmo atingir outras pessoas próximas (como foi o caso de Adão e Eva), além dos diretamente envolvidos.
Principio 3: Sejamos pais atentos e interventivos
A Bíblia não nos conta que atitudes tinham Adão e Eva acerca da relação de Caim para com o irmão. Mas suscita-nos algumas perguntas:
Estariam a ser pais atentos à relação entre os filhos?
Teriam percebido o sentimento que crescia em Caim quanto a seu irmão?
Será que tentaram agir, ajudando este filho a combater tal sentimento?
Será que foram pais passivos e nada fizeram?
Na verdade, não temos estas respostas. No entanto, aprendemos, com esta história, que temos de estar atentos aos nossos filhos, a cada um individualmente, e também à relação entre eles. Devemos buscar de Deus a sabedoria para agir, em cada uma das situações com que nos deparamos nesse papel de educadores que nos é dado por Deus. E não nos podemos demitir das muitas responsabilidades de pais, como ensinar, prevenir, apoiar, intervir. Deus não deu aos pais / mães uma função passiva, de ver crescer os filhos, sem intervir. Antes pelo contrário. Os pais e mães são chamados a ser interventivos, junto de seus filhos, respeitando obviamente, a autonomia que cada fase de suas vidas deve ter, mas não sendo meros espectadores.
O ensino da Palavra e o apoio na prática diária dos filhos é essencial.
Ensinemos os nossos filhos a protegerem as suas emoções e a cultivarem uma verdadeira relação fraterna com os seus irmãos – estaremos a protegê-los a eles e a cada um de nós, de grandes dissabores. Estaremos a proteger a nossa família!