Muitas igrejas têm um fascínio pelo diabo, algo que considero doentio, pois passam o tempo todo a falar dele, parece que vêem o diabo em todos os cantos e em tudo o que pode não corre tão bem na vida. Eu acredito na sua existência, pois as escrituras sagradas o menciona e o próprio Jesus Cristo teve alguns diálogos, mas nada de mais, do que lembrar as escrituras e expulsar demónios na vida de algumas pessoas. 

As igrejas da linha pentecostal ou neo-pentecostal estão muito ligadas na busca do sobrenatural, isto é, a tendência é seguir o que chamam de “mover do Espírito Santo”, que em mais de 90%, infelizmente nada tem a ver com o Espírito Santo. A raiz desta busca tem a ver com o episódio relatado no livro de Actos sobre o dia de Pentecostes, foi um dia em que o Espírito Santo veio sobre a vida de cerca de 120 pessoas que estavam reunidas numa casa e de repente, veio um vento impetuoso que encheu a casa, todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas estranhas. Este “fenómeno sobrenatural” tornou-se aquilo que eu chamo da “mãe” das igrejas pentecostais e neo-pentecostais. A busca dos sentimentos, do mover, do vento, do impetuoso, do fogo que vem do céu, das línguas, do poder, algo que mexe com as emoções das pessoas. 

Com isto, facilmente entram em território proibido, muitas destas igrejas que começaram bem, ensinavam o Evangelho, mas aos poucos, foram à procurar de Deus nas emoções, nos sentimentos e isso é perigoso. E foi assim que eu andei, parte destes últimos 30 anos de Evangelho, a ver, a ouvir, o modo como todo este processo cresceu ao ponto de hoje, verificar uma completa distorção do Evangelho de Jesus Cristo. 

O Evangelho nos ensina que o justo viverá da fé e não dos fenómenos, das emoções, dos sentimentos, do poder, do fogo que cai do céu. Hoje tenho uma certeza tão grande em meu coração da presença de Deus na minha vida, que eu sei, quer sinta quer não, Ele está comigo. O Evangelho me basta.

E quanto ao diabo, raramente falo nele, o apostolo Paulo dizia na sua segunda carta aos Tessalonicenses no capítulo 3 e verso 3: “Mas fiel é o Senhor, que vos confortará e guardará do maligno”.

Sei que devemos ser sóbrios, vigilantes, sabendo que o diabo é o adversário do Evangelho e tenta-nos tragar, conforme o apostolo Pedro menciona na sua primeira carta, no  capitulo 5 e verso 8; isto é, o adversário tenta engolir-nos, absorver-nos, mas resistindo, firmes na fé, ele não tem qualquer chance em nossas vidas, pois estamos guardados e selados pelo Espírito Santo de Deus. 

Os cristãos não fazem a mínima ideia de que, este fascínio pelo diabo é um problema que afecta a fé. Este tipo de ensino e fascínio pelo sobrenatural é alimentado pelas próprias pessoas que frequentam esse tipo de igrejas, pois procuram e desejam ver fenómenos como: expulsão de demónios, orar muito em línguas estranhas, sinais, maravilhas, curas, cadeiras de roda e muletas no ar e dizem: “quando as reuniões são assim, é porque o mover de Deus e do Espírito Santo é forte”.

Associam estes fenómenos para validarem o quão grande e importante é a igreja deles e o homem de Deus que está à frente dessa mesma igreja, dizem: “A minha igreja é uma igreja de poder, de unção, o meu pastor é um homem cheio do poder de Deus, ele assopra e caiem todos no chão”. E à medida que os anos avançam, estes fenómenos vão sendo cada vez mais provocados, ensaiados, treinados, são induzidos e as igrejas entram numa competição para ver quem tem mais unção, quem é o mais ungido, quem tem mais sobrenatural: “se na tua igreja, estes fenómenos não acontecem, é porque és fraco, não tens fé, não oras pelo menos 1h por dia, deves ter falta de perdão ou então andas com más companhias e a tua unção foi pelo cano abaixo”. Chegam até a falar de proteger a unção de Deus para não se perder e assim, nas vésperas de uma reunião de Domingo não se fala com ninguém, ficas o dia todo a orar e no próprio Domingo não falas com ninguém e não deixes que alguém te toque, para que, quando subires ao púlpito o poder esteja lá! Nem sequer analisam como Jesus vivia, onde quer que ele ia, as multidões o seguia, tocavam nele.

O interessante é que, com o tempo, as mesmas pessoas que dizem terem sido curadas, ou terem sido libertas de demónios, voltam a pedir oração, sempre os mesmos e sempre os mesmos problemas, sempre os mesmos demónios, volta tudo ao mesmo! Muitos pensam que é isso que enche as igrejas, de facto muitas igrejas estão cheias dos que procuram o “pão e o peixe”, mas de Evangelho pouco têm ou nada, na verdade tenho a certeza que muitos nem sequer convertidos estão! Como posso ter tanta certeza? Fácil, Jesus nos ensinou que pelos seus frutos os conhecereis. Vejo muito pouco fruto do Evangelho de Cristo na vida de muitos.

Eu acredito que Deus faz milagres, mas quando é Ele a fazer, as pessoas ficam curadas, libertas e não perdem o que Deus fez por eles. Nunca li no Evangelho pessoas a perderem a cura, aqueles que ressuscitaram, não perderam a ressurreição, claro que, bem mais tarde todos acabaram por morrer, pois esse é o fim do nosso corpo. E os cegos, coxos e os paralíticos que Cristo curou? Bem, não há memória de que algum deles tenham perdido a cura e pasmem, muitos deles foram curados por Cristo, sem que esses tivessem fé. Eu sou testemunha de curas verdadeiras de Deus, mas infelizmente já vi de tudo, desde falsos testemunhos a indução de curas. Um dia falarei melhor como isso funciona. O importante é criar um ambiente para "arrepiar a espinha”. 

A industria de cinema e dos espectáculos de música são excelentes a criar ambientes e de mexer com as emoções das pessoas, creio, que não há melhor do que eles, mas sinceramente, algumas igrejas e movimentos pentecostais e neo-pentecostais estão a ficar craques na criação desses mesmos ambientes, ao ponto que muitos já não sabem distinguir o que vem de Deus ou das emoções. A Iluminação, os fumos, a música, as luzes a piscar, órgão a dedilhar com sons do céu: “oh a unção está aqui.“ Tornou-se um vício a ponto de que sem música a reunião da igreja já não é a mesma coisa, dizem: “a música prepara o coração da pessoa para a palavra”, depois vem as danças, o coral, o teatro, tudo e mais alguma coisa, quando pensamos que vem o pregador com a Palavra, supostamente de Deus, afinal é substituída pelo testemunho de alguém que foi liberto ou curado. Fico a pensar no exemplo de Cristo, andaria ele acompanhado por uma banda? Eu não sou contra a música mas quando o Evangelho não é pregado ou se é, é 5 minutos a correr, quando já está todo o mundo cansado da reunião com tantas actuações, nem as pessoas têm mais paciência para ouvir, fica difícil. O interessante é ouvir a muitos dizer: "Que reunião fantástica, que louvor incrível, estava uma presença de Deus, eu senti todo o meu corpo arrepiado, quando ele deu o Ré, Dó, Mim Uiii foi a loucura total." Eu pergunto: "Que discípulos de Cristo andamos nós a fazer?"

A palavra de Deus vai ficando para trás, diluída, são mensagens do estilo coach, auto-ajuda, sempre em frente, tu vais vencer, tu vais conquistar, tu vais vencer o diabo, tu és um escolhido de Deus, tu vais, tu vais...e o Evangelho já não se prega aos anos. Tudo está concentrado no eu, no ego pessoal, nas conquistas pessoais, na prosperidade pessoal. As reuniões são transformadas em show musical, nos pula pula, estremece tudo, a sala vai abaixo, canta, grita, sente, chora, ri, sente o demónio, sentem o Espírito Santo, sentem tudo e mais alguma coisa! 

Mas o fascínio pelo sobrenatural é como uma droga e o diabo entretém o povo!

Vejo igrejas que passam o tempo todo dos seus cultos a expulsar demónios ou a tentarem falar com eles, a maioria dos casos são encenações bem treinadas e casos pagos para se passarem por endemoninhados. Ao longo destes 30 anos tenho assistido a coisas incríveis, uma delas é a categorização dos demónios. Para cada problema há um demónio por detrás e com nome específico, o mesmo para cada tipo de pecado. Se não for chamado pelo nome a pessoa não fica liberta. Depois existe as doutrinas da quebra das maldições e de vínculos, um regresso ao passado, uma tentativa de levar o paciente a lembrar-se de todo tipo de pecado que esteve envolvido ou que sua família esteve envolvida, são questionários e questionários e após algum tempo nisto, o conselheiro lá quebra as maldições todas do passado e do presente. 

Para terminar, quero contar uma história, sobre um pastor e para não ferir, darei o nome de pastor H. Estava eu como pastor auxiliar na igreja Maná de Alvalade, quando soubemos que o pastor H, que vinha de uma outra igreja evangélica, iria integrar o team a tempo integral para dar especificamente, aconselhamento de quebra de maldições e vínculos. Rapidamente o pastor H foi sendo conhecido e a certa altura ficou responsável pela reunião de Sábado à noite, a reunião tornou-se famosa na altura, porque era uma reunião dedicada à libertação de pessoas e expulsão de demónios, inclusive foi criada uma equipe de visitas às casas das pessoas para irem a casa terminarem o serviço de libertação. As visitas consistia em verificar o que é que as pessoas tinham em casa que pudesse ser uma maldição, ou consagração ao diabo. Procuravam de tudo; quadros, carpetes, loiças de chá, loiças de café, brincos e fios de ouro, medalhas, enfim, tudo o que lhes parecia ser um desenho de uma cobra, de um deus indiano ou um Buda,  era para partir e queimar, inclusive livros, qualquer título estranho tinha de ser queimado, as equipes de libertação andavam equipadas, traziam nos seus carros, marretas para partir tudo o que fosse suspeito, as pessoas ficavam sem os bens e pensavam; “Agora é que é, estou liberto(a)”

O pastor H não podia estar mais do que satisfeito, ia tudo de vento em popa, passou a usar a tal lista com os nomes dos demónios, a reunião de sábado à noite tornou-se num “fenómeno sobrenatural”,  cheia de pessoas,  o assunto em todas as reuniões de Sábado à noite era somente o diabo e o nome dos demónios, durante a semana o gabinete do pastor H, que ficava ao lado do meu, estava concorrido em aconselhamentos, faziam-se filas à porta, eu e os meus outros colegas estávamos ás moscas, ninguém queria falar connosco, todos queriam ser aconselhados pelo pastor H. 

Alguém poderá dizer: “fantástico, que grande unção este pastor H tinha”. Mas infelizmente, foi uma questão de tempo, de facto, quem tomou conta do pastor H e dessas reuniões foi mesmo o diabo, ao ponto de, certo dia, estava ele a aconselhar e de repente, oiço uma voz grossa, alta, horrorosa, eu estava no meu gabinete do lado, senti algo tão tenebroso que pensei: “O que é que está acontecer neste gabinete ao lado?” Aqueles gritos horrorosos não paravam, então, levantei-me do meu gabinete, abri o gabinete do pastor H e vi-o possesso de um demónio, ele revolvia-se no chão, escumava pela boca, expulsei o demónio dele e o demónio ausentou-se dele, mas por pouco tempo, porque viemos a saber, que já não era a primeira vez que lhe acontecia isso, tinha titulo de pastor, mas era acometido por espíritos atormentadores.  Com o tempo, todas aquelas pessoas que frequentavam a reunião dele, que supostamente estavam libertas, voltaram ao mesmo, sempre com os mesmos problemas... 

Jesus Cristo quando entra na vida de alguém, não precisa de campanhas de libertação ou quebra de maldições ou de vínculos, quando ele se encontrou com o endemoninhado de Gadareno, ele não perguntou o passado dele, quantas vezes pecou, nem lhe fez um questionário exaustivo, nem foi a casa dele queimar livros, carpetes, quadros, nem sequer mando-o para um seminário de quebra de maldições, ele apenas expulsou os demónios. 

É por isso que eu estou cansado de cursos, seminários ou matérias de libertação, vínculos...até em Escolas Bíblicas ensinam essas coisas...o que precisamos é de pregar o Evangelho simples e ajudar as pessoas a viverem o Evangelho. Pois o Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo o homem. 

Mas este fascínio pelo sobrenatural, infelizmente está impregnado na mente e no coração de muitos, como uma nuvem que cega os entendimentos. Numa próxima vez irei escrever que o caminho que o Evangelho nos propõe é completamente oposto ao que muito se vê por aí. A todos os níveis, matérias como: unção de Deus, o nome de Jesus, expulsar demónios, etc, nada tem a ver com o que infelizmente vemos por aí.

Que Deus tenha misericórdia de todos!

 

Memórias de 30 anos de Evangelho – José Fidalgo.

31/12/2019