Por vezes, tudo parece escuro. Não se vislumbra qualquer luz, e nada parece trazer ânimo à nossa vida, mesmo que o lugar onde estamos tenha bom aroma e até seja aprazível…

Era assim, decerto, que se sentia Elias, no relato de I Reis 19. Ele sentia-se só, incompreendido (afinal, procuravam matá-lo!) e até, provavelmente, muito injustiçado. No seu desânimo, abrigou-se debaixo de um zimbro, uma árvore do género do arbusto, muito resistente, e aromática, cujo fruto possui propriedades medicinais. Mas Elias não escolheu o zimbro por causa dessas características, ainda que possa ter usufruído delas; Ele simplesmente se sentou onde poderia sentir algum abrigo, no meio da sua angústia, pois “(…) pediu, em seu ânimo, a morte”. (vers.4)

Pensemos no quão incongruente é que Elias fugisse da morte (vers. 3: “(…) para escapar com vida, se foi (…)”, para se encontrar a pedir a Deus, a morte (vers..4). Mas a verdade é que a sua tristeza era tal e o seu desânimo tão forte que ele apenas conseguia pedir para morrer. Ao pensar nisto, lembrei-me dos momentos em que a nossa vida se apresenta de tal modo que o que desejamos é apenas sair dela, fugir, deixar de ser quem somos, representar o que representamos, relacionarmo-nos com quem nos relacionamos…na verdade, fugir de nós mesmos. Nesses momentos, tudo o que a vida nos suscita são dores e incómodos, e sem perspetivas de melhoria, a morte parece (mas só parece!), o único alívio para a dor.

Os profissionais de saúde mental chamariam ao que se passava com Elias, “depressão” com “ideação suicida”. Creio que talvez por ser um profeta que temia a Deus, Elias não falava em colocar fim à sua própria vida, pois tinha claro para si mesmo que Deus era o Senhor que lha devia tirar, como lha dera. Por isso, optou por clamar pelo fim da vida ao próprio Deus, como sendo um ato de misericórdia. Os vers. 5-6 mostram a disposição de Elias: ele deitava-se e dormia, como alguém profundamente deprimido, que não quer estar acordado, pois não encontra na vida desperta, qualquer ponta de satisfação.

Acredito que vivia um daqueles momentos em que a oração parece encontrar um obstáculo forte para chegar a Deus, e que, no seu esforço, não conseguia vislumbrá-lO.

Todavia, mesmo que Elias não percecionasse a presença de Deus e nem percebesse a Sua misericórdia senão na resposta à oração para lhe retirar a vida, Deus mantinha-se com ele, assim como se mantém com cada um de nós nos nossos momentos difíceis.

No vers. 7 percebemos que Deus marca a Sua presença, enviando um anjo que o alimenta e dá alento para ele continuar a caminhar. Do mesmo modo, Deus age com cada um de nós, através de situações, circunstâncias e/ou pessoas eu nos trazem consolo, incentivo e alento.

E foi neste “empurrão” dado pelo anjo, que Elias recuperou forças para prosseguir, saindo do marasmo da sombra do zimbro, e ainda que continuasse profundamente triste, e até mesmo angustiado, continuou a caminhada. Ele esteve à beira da desistência, mas depois deixou a apatia de lado, respondeu ao estímulo que Deus lhe enviara e prosseguiu. E o vers..8 diz-nos para onde prosseguiu Elias (“até Horeb, o monte de Deus”): Ele foi ter com Deus, e permitiu que a Sua Palavra se aninhasse no seu interior e pudesse tocar a sua vida (vers. 8-9).

Na verdade, Deus sempre esteve lá, incluindo na bondade com que o zimbro o acolheu, no alimento e incentivo do anjo, e na Palavra sempre disponível do Deus Fiel. Mas foi preciso que Elias fosse ter com Deus, caminhasse para Ele, para que pudesse ultrapassar aquela forte dor que vivia. E demorou! Bem sei que gostamos de tudo rápido e vivemos na época “fast”, mas (vers.8) “caminhou quarenta dias e quarenta noites”. Requereu perseverança, mesmo no meio dos sentimentos que o atormentavam.

No vers. 10 percebemos que ao falar com Deus, abrindo o seu coração e expressando os sentimentos que o transtornavam, Elias imediatamente identifica a solidão (“eu fiquei só”). Ele sentia-se só, profundamente só.

E lembremo-nos agora que em Gén.2:18, Deus afirmara “Não é bom que o homem esteja só”, pois como conhecedor daqueles a quem criou, sabia que ainda que precisemos de momentos a sós, necessitamos de nos sentir agregados, aceites, amados, e não suportamos o sentimento de abandono, rejeição, solidão. E este é, sem dúvida, um dos sentimentos que assola aquele que atravessa a depressão! Em meio à angustia e profunda tristeza, por vezes até com perda de sentido para a vida, há uma profunda solidão, que advém da perceção de que ninguém sente a nossa dor, e ninguém tem a capacidade de a compreender.

Apesar de Elias ser um profeta, alguém que levava aos outros a mensagem divina, isso não o tornou imune à dor, sofrimento e solidão. Ele foi maltratado, pois até queriam matá-lo (vers.10: ”buscam a minha vida para ma tirarem”) e podia encontrar razões para se sentir magoado, para renunciar ao papel que Deus lhe dera de intermediário para com os homens, transmitindo a Sua vontade. Assim, como nós podemos encontrar razões para desistir dos propósitos que Deus tem para as nossas vidas, se fizermos depender esses propósitos das reações de terceiros.

No entanto, precisamos focar-nos no facto de que apesar de todas as circunstâncias que Elias vivia, do perigo de vida que ele corria, do medo, ansiedade, mágoa, angústia, rejeição, solidão, …nada disso lhe retirou o potencial de se expor à presença do Deus que o criou e o amou. Esse potencial que Elias demonstrou está também em cada um de nós. Assim como ele fez, e como percebemos no vers. 11 (“põe-te neste monte, perante a face do Senhor” ), na nossa luta com a dor interior, também precisamos fazer: Reagir e relembrar que Deus é Pai (não um pai qualquer, mas O PAI) para nos amar incondicionalmente (além das nossa falhas e fraquezas), e para no Seu poder, cuidar de cada um de nós (Romanos 8:32: “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?”).

Elias poderia esperar que, ao se expor a Deus, Este lhe falasse de modo grandioso, que fosse indubitável a ele e a qualquer um que O ouvisse. Afinal, não é o que todos queremos quando estamos em agonia: que Deus se mova em poder extravagante e a Sua voz seja forte e firme como um trovão? No entanto, os vers.11-12 mostram que Deus lhe falou, não através do vento nem do terramoto, e nem do fogo, mas com uma voz mansa e delicada. E é assim que Deus fala connosco, tratando delicadamente cada coração entristecido, magoado e /ou só.

Neste relato bíblico, que lemos com rapidez, podemos ser levados a pensar que tudo aconteceu depressa, mas acredito que se tratou de um processo e que levou algum tempo até que Elias conseguisse tirar o foco da sua dor para poder ouvir a voz mansa de Deus (aliás só de percurso até ao monte, sabemos que demorou quarenta dias e noites). Uma voz mansa e delicada precisa de atenção para ser ouvida, ao contrário do tal trovão, terramoto ou fogo, que seriam vistos/ouvidos mesmo no meio do turbilhão interior. E foi depois de ouvir a voz de Deus (vers 15-18), com instruções especificas, que Elias ganhou ousadia para sair e (re) viver (vers.19: “Partiu, pois, Elias dali”). Deus, na Sua infinita bondade, levou Elias a colmatar a solidão, colocando na caminhada consigo, Eliseu (vers.19-21).

E deste modo, ele traz até cada um de nós alguns “Eliseus” que nos ajudam a combater a angústia, tristeza, solidão. Precisamos ouvir e agir, como Elias fez. Precisamos expor a nossa dor ao Senhor e permitir que Ele nos fale e nos conduza ao percurso da restauração. Só assim, encontraremos a luz na escuridão.

17/05/2021

Carla Silva.